REFLEXÕES

DILEMA DE MÃE – Ela só come bobagens

Minha mãe vive dando doces e salgadinhos para minha filha. Como consigo reverter essa situação?

A relação com os avós é delicada. Os avós são pais sem culpa. Como fazem tudo para agradar, formam uma aliança permissiva com a criança. Muitas vezes contradizem os conselhos da mãe e oferecem guloseimas proibidas às escondidas. Não agem assim por mal, mas por falta de conhecimento. Eles precisam entender que os netos podem adoecer se permanecerem nesse estilo de vida. Quando isso ocorre, tendem a colaborar. A obesidade, hoje, é um problema grave de saúde pública. Uma criança obesa é mais propensa a hipertensão, diabetes e doenças do coração. Um adolescente obeso tem 80% de probabilidade de se tornar um adulto obeso. Por isso, quanto mais cedo mudar os hábitos, melhor.

Comece observando a qualidade da alimentação de sua filha. Nos últimos 20 anos, a dieta dos brasileiros piorou drasticamente com a invasão dos fast-foods  e dos produtos congelados. De preparo fácil e com mais apelo, os pratos prontos se tornaram uma opção prática, embora nada saudável. Para completar, muitas mães se sentem culpadas por deixar os filhos em casa para trabalhar e compensam essa ausência recheando a dispensa com salgadinhos ou permitindo que eles ingiram apenas o que têm vontade. O sedentarismo é outro ponto crítico. Por causa da violência das grandes cidades, os pais se sentem mais tranqüilos ao manter os filhos confinados, diante da televisão ou jogando videogame. Assim, sem brincadeiras ao ar livre, a criança perde a oportunidade de queimar naturalmente calorias. A atividade física proporcionada pelas escolinhas de esportes, em geral de uma ou duas horas semanais, não é suficiente para trazer equilíbrio de vida. Além disso, a TV transforma o comer num ato mecânico. A criança não olha a comida, não sente prazer, come compulsivamente, sem controle e sem critério. É fundamental, portanto, que faça as refeições num ambiente apropriado, onde nada a distraia. Imponha um limite para o número de horas diante da televisão ou do computador e retire o aparelho da copa, da cozinha. Se ela quiser assistir a algum programa, deve fazê-lo antes ou depois das refeições. Nunca simultaneamente. Incentive-a a brincar com os amigos. Ela vai gastar energia e ampliará os vínculos sociais.

Não é o caso de adotar uma dieta espartana sem de receitar remédios. Proibição e castigo definitivamente não funcionam. A solução está na reeducação alimentar. Sua filha precisa aprender a diminuir a quantidade e a melhorar a qualidade da alimentação. Não cabe aos pais controlar o que a criança come, mas dar estrutura para que se alimente melhor. Devem fazer compras no supermercado mais saudáveis e cortar frituras, empanados, creme de leite e o excesso de refrigerante do cardápio. O prato tradicional do brasileiro, com arroz, feijão, salada, legume, uma carne e frutas, é excelente. Possui proteínas, fibras, carboidratos, vitaminas e sais minerais na medida ideal. Ofereça frutas na sobremesa e deixe os doces apenas para os finais de semana (e numa quantidade em que eles terminem durante esses dois dias.). Para beber, apenas suco de frutas sem açúcar. Diminua o óleo e aumente o sabor dos pratos usando temperos naturais no preparo.

É importante que todo esse processo ocorra sem cobranças. Deixe que ela coma em paz. Não desperdice os momentos que vocês passam juntas criando atritos sobre o assunto. Você perderá um tempo precioso de convivência e ela crescerá achando que comida e conflito são sinônimos. Só uma criança bem resolvida se empenha em colaborar. Essa mudança não ocorrerá se ela estiver ansiosa, carente ou vivendo em uma família desestruturada. Nesses casos, a probabilidade de compensar o problema comendo é grande. Por fim, é preciso dar o exemplo. A família inteira tem que adotar o mesmo cardápio. Não adianta quem faz o prato sentar à mesa e comer algo diferente do que foi servido à criança. O risco de todo o esforço se perder será enorme.

Zuleika Salles Cozzi Halpern é especialista em endocrinologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e Secretária-Geral da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (www.abeso.org.br).

FONTE: REVISTA CLÁUDIA – MAIO 2003