REFLEXÕES

O fim da infância

A infância é uma ideia, uma abstração, um paraíso artificial.
Entenda como ela foi inventada e no que pode dar a sua desinvenção.

O conceito de infância faleceu, em 7 de Julho de 2009, vítima de causas múltiplas. Consagrada no século 19, a ideia de uma etapa da vida protegida dos males do mundo já vinha com a saúde declinante havia 50 anos, atingida pela era da informação e pela expansão da adolescência, entre outros fatores. O que determinou a morte foi a participação de Paris Katherine no funeral de seu pai, o cantor Mlichael Jackson. (“Ele foi o melhor pai que se pode imaginar”, disse Paris). Bastou para que explorassem a imagem da menina de 11 anos, complicando uma vida que já não será fácil. Não interessa se ela é criança – é uma celebridade como as outras. Juridicamente, a infância sobrevive: vai até os 12 anos.

O obituário acima é uma provocação – se você acompanhou o caso, pode até argumentar que o fez somente por curiosidade. Mas já faz pelo menos duas décadas que estudiosos da cultu¬ra contemporânea veem eventos como esse e concluem: a infância está desaparecendo.

Não é que os seres humanos estejam engros¬sando a voz logo que aprendem a falar. A dife¬rença é que esses jovens seres, que havia séculos habitavam um mundo que construímos para eles, há algum tempo vêm usufruindo dos prós e contras do universo dos adultos.

“A infância é um artefato social, não uma categoria biológica”, escreveu o americano Neil Postman. Provando que a infância era uma invenção cultural, o historiador alertava que a mesma sociedade que a criou poderia determinar o seu fim. No começo dos anos 80, ele via como principal ameaça o fato de adultos e crianças verem os mesmos programas de TV – nem imaginava a banda larga que viria pela frente. Mas, já que o assunto é infância sejamos didáticos: vamos começar do começo.

(…)

JÁ FOI? 
MUITOS FATORES INDICAM O FIM DA INFÂNCIA. O JEITO É SE ADAPTAR PARA AS CRIANÇAS QUE VIRÃO. 

Tobogã abaixo 

O que a imprensa colocou de pé a TV e a internet vêm colocando de lado, mas não é só na busca por informações antes exclusivas que podemos detectar sinais do fim da infância.

A consagração da adolescência como a melhor, a mais divertida e inesquecível idade para todos os seres humanos, uma ideia que começou a pegar nos anos 50, também exerce uma pressão para que as crianças deixem logo de sê-Io. Em linguagem de marketing, ser jovem é “aspiracional”, algo que as pessoas aspiram, almejam, desejam. Para suprir essa demanda anteriormente reprimida no estereótipo sem graça de “pré-adolescente”, marqueteiros criaram o rótulo tween – um trocadilho com between (“entre”) e teen (“adolescente”) – para inserir todo tipo de produto voltado a quem antes eram crianças de 9 a 12 anos.

Os ídolos desse público podem se comportar de forma pudica, como os vampiros virgens de Crepúsculo, mas, na vida real, o apelo sexual é aproveitado assim que possível. Miley Cyrus, 16 anos, se faz de santa no seriado Hannah Monta¬na, mas posa sensual na capa das revistas. A própria Xuxa achou que a princesa Sasha, 10 anos, já estava precisando de um príncipe, e promoveu um concurso para escolhê-Io. O vencedor foi Bruno Mesquita. 15 anos, que faz o estilo “Jonas Brother”, e os dois vão fazer par romântico em um filme.

A pressão para se tomar adulto nos relacio¬namentos também se reflete no campo profis¬sional. Crianças de 3 anos já estão aprendendo um segundo idioma, e as que entram no ensino básico já têm uma agenda lotada de cursos, aulas extras, grupos de estudo – nenhum pai quer que seu filho fique para trás. Nos EUA já há um movimento para que as escolas públicas passem menos dever de casa.

A ética profissional é incutida cada vez mais cedo. Quando a menina Maisa, 7 anos, teve problemas com seu chefe, Silvio Santos (recapi¬tulando: ele a fez chorar duas vezes e a prendeu dentro de uma mala), seus pais logo trataram de esclarecer que ela não deixaria de cumprir os seus contratos com o SBT.

E o que dizer do Caio Werneck, 9 anos, zaguei¬ro do Roma, da Itália? Casos como o dele, de crianças negociadas com times do exterior, são cada vez mais comuns. Caio já tem uma profissão definida, a mesma que seu pai seguia, deixando a escola em segundo plano. Como na Idade Média, quando não havia infância. (…)

Texto Emiliano Urbim 
Fonte: Revista Superinteressante 
Agosto de 2009
Contribuição de Manuela Guitzel, mãe de Julia (G9) e Laura (G7)