Como trabalho fora, não tenho condições de controlar o tempo que meus filhos passam diante da telinha. Até que ponto isso pode prejudicá-los?
O tempo gasto pelas crianças na frente da telinha é, hoje, uma das grandes preocupações dos pais, especialmente dos que trabalham fora. Gostaria de iniciar nossa conversa lembrando que a TV é um aparelho eletrônico inventado em 1950 e que foi ganhando espaço na sociedade “a medida que nós, telespectadores, lhes concedíamos poder. Ou seja: se nós fomos responsáveis por seu atual status, somos também capazes de controlar nossa relação com ela.
Sabemos o quanto a televisão é atraente: suas imagens em alta definição, sons, falas, efeitos especiais e cenas ao vivo trazem o mundo para dentro de casa. A questão que devemos nos colocar a respeito desse aparelho tão fascinante é: quel é o espaço que NÓS abrimos a esse universo eletrônico em nossa vida? E o que permitimos que entre em nossa casa por meio dele?
Apesar de toda magia e encanto televisivos, um dos aspectos mais importantes no desenvolvimento infantil é a relação que a criança estabelece com seus pais e familiares e os valores que lhe são transmitidos nessa troca e no meio em que vive. Por isso, o exemplo vem de dentro de casa, assim como os hábitos culturais. Não há programação virtual, por mais educativa que seja, que substitua os benefícios que a interação com pessoas queridas é capaz de proporcionar à criança. Os pais podem e devem controlar o tempo de exposição e o que está sendo assistido do mesmo modo que devem matricular os filhos na escola, levá-los ao médico, conferir os horários do remédio, da alimentação etc… A TV é um dos fatores que compõem a formação infantil e precisa ser tratada com responsabilidade. Proibir não é a melhor solução, e sim dialogar, esclarecer e compartilhar. Os pais e as pessoas que cercam a criança são as figuras-chave para mediar o contato dos pequenos com a TV. Assim, é importante discutir os programas que eles assistem, perguntar e participar do mundo dos filhos, em vez de deixá-los na frente da TV, exclusivamente.
Vale lembrar que a opção cultural dos pais também influencia a criança. Preste atenção no que você está assistindo e reflita: esse programa traz informações interessantes para seu filho? Além disso, procure proporcionar alternativas aos pequenos que não sejam apenas as da cultura da TV. Passeios, circo, livros infantis, jogos, esportes, artes, conversas e tentar manter o aparelho desligado no domingo são opções indispensáveis para que eles não cresçam dependentes da nossa cultura televisiva.
Outro papel da família é o de educar o filho pára ser crítico quanto ao consumismo incentivado pela programação. Afinal, se você compra tudo o que ele pede, que tipo de resultado pode esperar, além de uma criança (e depois um adulto) consumista? Muitas vezes isso ocorre porque os pais se sentem culpados ao negar um produto ao filho. Portanto, é fundamental que os adultos tenham claro a noção de necessidade e de supérfluo para poder transmitir esses valores à criança e ensiná-la a estabelecer prioridades.
No Brasil, os pequenos passam em média seis horas por dia na frente da TV. Não há medida ideal para a exposição. Depende do que está sendo assistido, para qual fim, com quem e das outras atividades que acontecem no restante do dia. Uma boa medida para os pais refletirem sobre o assunto é comprar, durante uma semana, o número de horas que a criança reserva para a TV e o número que dedica a outras tarefas. Quais atividades se repetem na semana? Qual a variedade de habilidades que ela está desenvolvendo? Que tipo de conteúdo anda assistindo? Conhecer, explorar possibilidades de programação, indicar, assistir junto são também medidas interessantes para os pais e professores. Refletir com os filhos sobre o processo de criação das mensagens televisivas, mostrando sempre que podem ser construídas, editadas, interpretadas e, inclusive, ficcionais, é sem dúvida um dos recursos mais poderosos para diminuir sua possível má influência.
Mílada Tonarelli Gonçalves é psicóloga e pesquisadora do Laboratório de Pesquisa Sobre Infância, Imaginário e Comunicação (LAPIC), da Escola de Comunicações e Artes Da Usp. (LAPIC@ECA.USP.BR)
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