REFLEXÕES

Educação moral baseada no sou mais eu

A educação moral dos filhos é um assunto que provoca uma reação enorme por parte dos leitores. Muitos pais pedem a volta da disciplina que era chamada educação moral e cívica no currículo escolar, caros pais: a ética é um assunto que deve ser contemplado pelas escolas – e isso já está previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais, como um tema transversal, ou seja, que deve ser abordado por todas as áreas do conhecimento. Não é preciso mais nada: basta aplicar a sugestão que já existe. Mas, para tanto, os professores precisam de formação. Aliás, esta é uma excelente questão para ajudar os pais a avaliar melhor as escolas na hora de matricular o filho: ela oferece formação regular e continuada para seus professores?

Vou continuar o assunto sobre a educação ética e moral das crianças e dos adolescentes e, para tanto, usar a correspondência de um leitor, pai de um garoto de quatro anos. Transcrevo, pois ela é bem interessante: “Para matricular meu filho, fui visitar uma escola, que é fantástica: tem infra-estrutura muito boa e proposta interessante. Infelizmente, não o matriculei por causa do horário, mas essa é a escola que irei – ou iria – colocar meu filho na primeira série. Mas um dia, enquanto esperava na fila do caixa do supermercado, vejo a diretora dessa escola. Observei suas atitudes: a lista de compras ela amassou e jogou num canto e comia uvas que estavam em uma cestinha. Comeu várias e não pagou! Esse tipo de atitude me deixou frustrado e encucado: uma pessoa que lida com educação tem de ter postura de educador 24 horas por dia?”.

A reflexão desse pai é pertinente. Afinal, se queremos que as crianças e os adolescentes construam um patrimônio ético que os ajude a conviver melhor e também a se responsabilizar pelos rumos da sociedade em que vivemos, devemos agir de modo consistente.

Se exigimos apenas deles que acatem os valores coletivos, mas não fazemos o mesmo, acabamos por adotar uma atitude cínica que, de modo algum, combina com a postura de um adulto educador.

Além disso, por que eles iriam aceitar nossa orientação se não praticamos o que exigimos deles? Que autoridade moral tem um adulto agindo assim? E isso sem falar no que insisto sempre: filhos aprendem muito mais com o que observam dos pais do que com o que ouvem deles.

A questão é que hoje a noção de coletivo perde longe para a noção de individual e, por isso, muitos adultos agem movidos pelo interesse pessoal, mesmo que isso signifique o maior desleixo e descaso com as regras de convivência, para não se sentir um idiota que é passado para trás por conta de um sentimento romântico de cidadania.

Não sei se os leitores tiveram a sorte de assistir a um quadro apresentado durante o mês de agosto de 2002 por Regina Casé, no Fantástico, da TV Globo, em que a atriz apontou, em situações diversas, como adultos têm usado de forma privatizada o espaço que é publico. Eu assisti a ele em duas oportunidades e, em uma delas, Regina conversou com motoristas que voltavam para casa após um fim de semana fora dirigindo os carros pelo acostamento. Entrevistados, vários disseram reconhecer que isso não era correto com os outros, que enfrentavam bravamente o trânsito lento nas pistas, mas, assim que viam alguém furar a fila pelo acostamento, se sentiam trouxas e eram levados a fazer o mesmo. E é exatamente esta a lição que passamos às crianças e aos adolescentes: “Na teoria, sou um bom cidadão, mas, na prática, eu sou mais eu”.

Não são apenas os pais e professores que devem ter postura de educador 24 horas por dia. O que devemos nos perguntar é o que temos mostrado a nossos filhos e o que temos exigido e esperado deles. Afinal, se nossa prática de vida não é consistente com o que queremos ensinar a eles, que motivos ele têm para ouvir nossos discursos?

 


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de “Como Educar Meu Filho?” (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
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