REFLEXÕES

Dúvidas e certezas

Os pais que criaram seus filhos décadas atrás tinham quase toda a certeza de como agir com eles. Está certo que tais certezas se mostraram, mais tarde, ilusórias ou falsas, mas, de qualquer maneira, ajudaram os pais a ter atitude e a dar conta de sua tarefa.

É que naquele tempo não havia muitas alternativas: quase todo mundo pensava de modo semelhante sobre como agir com os filhos. Tais referências eram socialmente compartilhadas e, portanto, funcionavam quase como garantias. Mais tarde, os filhos contabilizaram muitos erros de seus pais, claro, mas sobreviveram.

Acontece que o mundo mudou com velocidade incrível e continua mudando. O contexto sociocultural passou a contar com múltiplas referências, as famílias se tornaram diferentes, as idéias sobre educação se multiplicaram, e ficou quase impossível imaginar como será o futuro dos mais novos.

Hoje, parece que a única certeza que restou aos pais em relação à educação é a de que os filhos precisam freqüentar a escola. É por isso que, por mais que uma criança resista, reclame ou faça cara feia, seus pais a obrigarão a ir para a escola. Ninguém conhece pais da classe média que atenderam aos pedidos do filho para deixar de ir à escola, não é verdade? E, certamente, há muitas crianças que gostariam de obter tal autorização. Pois é essa certeza dos pais a responsável pela continuidade dos estudos da maioria das crianças.

No restante dos assuntos, tudo o que os pais têm são dúvidas. Qual a idade certa para colocar na escola? É melhor escola pequena ou grande? Até quando é normal usar chupeta? Castigo funciona? A partir de que idade a criança deve freqüentar escola de línguas? Como reagir à birra? As dúvidas começam quando o filho nasce e não terminam nunca mais!

O maior problema não é ter dúvidas, mas querer ter garantias. Sabemos que nenhuma idéia é indiscutível, e isso não permite ter certeza de quase nada. É preciso aprender a caminhar na corda bamba e a conviver com a insegurança e a possibilidade de erro para conseguir educar os filhos.

E é preciso saber de antemão que qualquer atitude poderá, mais tarde, ser julgada errada. Ao atingir a maturidade, os filhos certamente lamentarão a falta de firmeza ou o excesso de pressão dos pais nessa ou naquela questão. Em resumo: por mais que os pais queiram e procurem acertar, eles errarão.

Aceitar tal idéia permite uma reflexão importante: já que é impossível saber o que será considerado certo ou errado no futuro pelos filhos, o melhor é agir de acordo com o que os pais pensam hoje, em conformidade com suas convicções, mesmo que elas não soem como certezas. Em outras palavras: para educar, é preciso simular poucas, mas decisivas, certezas.

Essa atitude facilita um pouco a árdua tarefa educativa. Tomemos o exemplo da certeza atual que os pais têm a respeito dos estudos. É por ter essa certeza que os pais conseguem fazer com que os filhos freqüentem a escola e não a abandonem no meio do caminho.

Mesmo que percebam que isso é sofrido para o filho, mesmo que reconheçam o esforço que a criança ou o jovem tem de investir nessa atividade, os pais conseguem persistir em sua atitude e, conseqüentemente, os filhos sabem que não há negociação. Por isso, eles também persistem, apesar de tudo.

Do mesmo modo, quando os pais quiserem valorizar alguma atitude a ser tomada com o filho, precisam investir certeza nela, mesmo sabendo que ela pode ser ilusória. É desse modo que os filhos acatarão a autoridade dos pais. Afinal, quem respeita a autoridade de quem duvida da própria atitude?


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de “Como Educar Meu Filho?” (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
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