REFLEXÕES

As escolhas das crianças

Hoje é comemorado o Dia da Criança. Quase todos os pais não resistiram à tentação: compraram brinquedos e outros presentes e agendaram programas diferentes para fazer com os filhos.

A reação das crianças não será surpresa para os pais. Muitas delas, inclusive, já haviam feito seus pedidos com a devida antecedência. E é justamente para provocar essa reação esperada que os pais sucumbem aos apelos do comércio. Afinal, quem não quer ver seu filho feliz, agradecido e entretido com o novo brinquedo ou a programação familiar especial?

Tudo isso ocorrerá hoje, mas os pais também já sabem que essas emoções da criança terão vida curta. Em algumas horas ou dias, o filho estará novamente como estava antes de ganhar os mimos de hoje. Por isso, vamos além neste dia: vamos reservar alguns minutos do nosso tempo para refletir a respeito da infância nos tempos de hoje.

Não é fácil ser criança no mundo atual. O mundo adulto pressiona o infantil de todos os lados. As peças publicitárias tratam as crianças como se elas fossem gente grande -esperam que saibam e que possam decidir o melhor para si. E o melhor, nesse caso, é consumir o que eles oferecem. Mais do que consumir determinado produto, trata-se de consumir um estilo de viver. Assim, logo elas aprendem a gostar das músicas que devem gostar, a se comportarem de um determinado jeito, a vestir certo estilo de roupa etc. As crianças são tão suscetíveis que, além de se encantar com quase tudo o que se destina a elas, também ficam atraídas por aquilo que é ofertado ao adulto e chegam a convencer os pais a consumir itens ou marcas.

Por causa da oferta de consumo, a criança é pressionada a ser de um determinado modo. E, para ela, isso tem um sentido muito maior do que apenas ter algo. Defender-se desses apelos é coisa para adulto -as crianças estão totalmente submetidas a essas exigências e não conseguem, sozinhas, escapar.

Mas não é apenas o consumo que empurra as crianças para o mundo adulto. As notícias, as explicações, as análises, o erotismo, o tipo de humor, a aparência do corpo, o modo de se relacionar com os outros, a agressividade, a competição, tudo o que tem relação com os adultos atinge também as crianças e as influencia.

Não é possível mudar o mundo, pelo menos não em um curto espaço de tempo. Isso quer dizer que é neste mundo mesmo que as crianças viverão a infância. Mas talvez seja possível protegê-las da parte mais pesada dessa avalanche. O mais difícil para os pais é diferenciar o que chegará às crianças inevitavelmente daquilo que elas ainda podem ser poupadas. Há boas razões para essa dificuldade, e talvez a principal seja justamente a idéia de infância que temos hoje.

Qualquer educador -pais, principalmente, mas professores também- acredita que deve incentivar as crianças a fazer escolhas.

Ocorre que, ao fazer uma escolha, a criança só pensa naquilo que quer de imediato. Ela ainda não consegue avaliar situações, fazer previsões e considerar conseqüências. E mais: a criança não é livre para escolher. Ela está submetida a alguma força, interna ou externa, que a faz caminhar em determinada direção, e seu campo de visão é restrito.

Por isso, quando ela “escolhe” algo, na verdade apenas se submete a essas forças, e, quando essa “escolha” é validada pelo adulto, seu aprisionamento é reafirmado.

Criança só deveria ser livre para brincar e pensar a seu modo. Garantir essa liberdade de ser criança ainda é possível, mesmo neste mundo.

[…] Ao fazer uma escolha, a criança só pensa naquilo que quer de imediato; ela ainda não consegue avaliar situações e considerar conseqüências


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de “Como Educar Meu Filho?” (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br